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sexta-feira, 20 de abril de 2012
Sem lei, trabalho artístico de crianças e adolescentes é desgastante
O trabalho artístico de crianças e adolescentes, embora seja cada vez mais comum, não tem nenhuma regulamentação no Brasil e expõe os menores a jornadas longas e desgastantes, aponta pesquisa da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. O estudo da advogada Sandra Regina Cavalcante investigou as condições dos ambientes artísticos, ouviu as crianças e seus pais e recomenda a criação de leis que protejam os menores e permitam a fiscalização dos locais de trabalho.
Não há leis que protejam os menores e permitam fiscalzar locais de trabalho
No Brasil, a Constituição proíbe qualquer tipo de trabalho a menores de 16 anos (exceto a partir de 14 anos, como aprendizes). Trabalhos artísticos só podem ser realizados com alvará judicial, atualmente concedidos pelos juízes das varas da infância e juventude. “Como não há regulamentação, os magistrados se baseiam na Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que apenas diz ser admitida a participação em representações artísticas com as autorizações judiciais como exceção à proibição de trabalho antes da idade mínima”, afirma Sandra. “Não há nenhuma lei que estabeleça as condições de trabalho que devem ser oferecidas e, em alguns casos, nem é pedido o alvará.”
A advogada realizou 25 entrevistas com crianças entre 10 e 13 anos, suas mães (que se apresentaram como os adultos responsáveis que acompanhavam os filhos nos compromissos artísticos), adultos que fizeram carreira artística na infância ou que trabalham com artistas mirins, e realizou três observações de trabalhos artísticos infantis, na gravação de uma novela de televisão, em um espetáculo teatral e numa seleção de novos talentos no interior de São Paulo. “São comuns os relatos de mães apontando que elas chegam pela manhã e esperam até a madrugada para gravar”, diz. “Também dizem que as crianças sofrem as mesmas pressões e cobranças que são feitas aos adultos. Houve, por exemplo, uma criança que ficou horas suspensa por um cabo para gravar um comercial.”
Embora as mães entrevistadas pertençam às classes A, B e C, e quase todas tenham o ensino superior completo, a maioria está numa posição de total submissão às produtoras, agências e emissoras. “Elas não têm acesso aos alvarás e manifestam receio em questionar as condições em que estão os filhos, para não prejudicar suas carreiras”, conta Sandra. “Em muitos casos, elas são vistas pelos produtores como obstáculos, e normalmente aguardam em locais separados dos ambientes de trabalho, em salinhas de espera ou até mesmo na rua.”
Escola
De acordo com a advogada, as crianças viam como pontos positivos do trabalho artístico a possibilidade de fazerem novas amizades e o contato com atores e atrizes famosos. “De um modo geral, elas acham tudo muito divertido, mas também se queixavam que perdiam as festas na escola, eventos familares e sociais, como aniversários dos amigos”, observa, lembrando que muitos mencionaram casos de insônia. “O boletim escolar da maioria dos entrevistados não revela prejuízos decorrentes da rotina de gravações, ensaios e apresentações. Mas os relatos indicam trocas de turmas e de escola decorrentes da carreira artística, bem como a preocupação das crianças de que sua relação com os colegas sejam prejudicadas ao saberem da condição de artista.” A pesquisa foi orientada pelo professor Rodolfo Vilela, do Departamento de Saúde Ambiental e do Trabalho da FSP.
As mães sugerem que haja apoio psicológico para as crianças e adolescentes, e que sejam poupados de esperarem muito tempo para atuar. “A ideia seria organizar a produção em função da criança, ou seja, fazer um plano de gravação ou de sessão de fotos adequado às fragilidades e necessidades infantis”, diz Sandra. “Elas também pedem uma equiparação entre as remunerações, que em geral equivalem de 10% a 30% do que recebem os adultos, e o pagamento obrigatório de cachês-teste, que hoje são raros e ficam em torno de R$ 40,00.”
A advogada recomenda que seja criada uma regulamentação do trabalho artístico dos menores de 16 anos, para que possa haver fiscalização. “Os alvarás continuariam a ser expedidos pelos juízes, que com o trabalho regulamentado não precisariam mais decidir com base em critérios subjetivos”, aponta. “Estado, sociedade e famílias precisam reconhecer que a atuação dos menores é um trabalho, com seus esforços e riscos, que devem ser conhecidos e evitados por intermédio de normas de proteção e segurança”.
Sandra observa que no exterior, alguns países limitam o número de horas em que as crianças e adolescentes podem atuar. “Isso acontece na Argentina e em Portugal, os argentinos só permitem jornadas de 4 horas diárias e 20 horas semanais diurnas, que lá é entre 6 e 20 horas; entre os portugueses o limite varia conforme a idade, por exemplo, uma criança com um ano de idade só pode atuar por uma hora na semana, entre 7 e 12 anos somente até 3 horas diárias e 9 horas semanais”. A advogada defende uma postura mais atuante dos sindicatos de artistas e a colaboração das escolas. “Por meio da escola, vai ser possível aumentar o alcance da fiscalização e orientar as famílias, para que o desenvolvimento das crianças não seja comprometido.”
Fonte: Agência USP de Notícias - 16/04/2012
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