Vida e Cidadania
Terça-feira, 24/07/2012Castigo físico reproduz ciclo da violência
Estudo da Universidade de São Paulo conclui que pessoas que apanharam dos pais quando crianças tendem a também bater nos filhos
GAZETA DO POVO
A Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar sobre Atitudes, Normas Culturais e Valores em Relação à Violação de Direitos Humanos e Violência foi realizada em 11 capitais brasileiras (Curitiba não foi inserida). O estudo foi realizado pela primeira vez em 1999 e repetido em 2010.
Decisão
Justiça condena pai que deu “cintadas” na filha a dois anos de prisãoFabiula Wurmeister, da sucursal
Um pai de Foz do Iguaçu foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) a uma pena de dois anos e 20 dias de prisão, em regime aberto, por ter batido na filha, na época com 10 anos, com uma cinta. Ismael Vieira Dias foi acusado pela ex-mulher e mãe da menina de maus-tratos, crime previsto no artigo 136 do Código Penal.
A surra, dada em 2010 para forçar a garota a fazer as tarefas escolares, teria provocado ferimentos leves, o que levou a mãe a denunciar o caso na tentativa de reverter o acordo sobre a guarda da criança. “Ficou comprovado que o acusado, ao dolosamente desferir ‘cintadas’ na vítima que estava sob sua guarda, expôs sua saúde a perigo, abusando dos meios de correção e disciplina”, concluiu o juiz substituto da 1ª Câmara Criminal do TJ-PR, Naor de Macedo Neto.
Dias reconhece que apanhou dos pais na infância, mas garante que foi a primeira e única vez que bateu na filha. Ele explica que já havia sido chamado três vezes à escola onde ela estudava, por causa de atos de vandalismo e por ela ter desobedecido algumas regras, como o uso de celular em sala de aula. “Quando as reclamações chegaram, comecei a tirar algumas regalias dela, como o computador e assistir televisão até tarde. Em vez de melhorar, ela piorou, foi quando perdi o controle”, afirma ele, que também é pai de um menino de 3 anos.
Afastamento
Dias diz que continua vendo a filha a cada 15 dias, mas que a relação dos dois ficou abalada. “Tudo isso [a ação judicial] acabou me afastando da minha filha e perdi toda a autoridade sobre ela”, lamenta, antes de afirmar que não se arrepende de ter tentado corrigi-la. “Eu passei por essa situação [apanhar dos pais] e não julgo ninguém por isso. Para mim serviu como lição e hoje me sinto bem por meu pai não ter passado a mão na minha cabeça.”
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Você apanhou quando era criança? Usa a palmada ou outro tipo de castigo físico para educar o seu filho? Por quê?leitor@gazetadopovo.com.br
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Disque 100
é o canal de denúncia 24 horas sobre maus-tratos contra crianças e adolescentes da Secretaria de Direitos Humanos. O serviço atendeu a 34.138 ligações de todo o Brasil, entre janeiro e abril deste ano. O número é 71,2% superior ao registrado no mesmo período do ano passado. No Paraná, o crescimento foi maior: 1.464 denúncias, 84,2% a mais que nos primeiros quatro meses de 2011.Alves diz que bater no filho não é algo obrigatoriamente ligado ao fato de o adulto ter apanhado quando era criança, mas ressalta que há uma tendência em se repetir o gesto. Assim, pais que não apanharam na infância têm menos probabilidade de bater nos filhos diante de uma desobediência.
A pesquisa também avaliou a percepção dos adultos quando os filhos se envolvem em brigas na escola. A reação mais comum entre os pesquisados é orientar os filhos a procurar uma autoridade escolar, seja um professor ou um diretor (49,2% das respostas). Outros 5,2% orientariam os filhos a bater de volta e 15,3%, a evitar brigas, mas revidar a agressão caso fosse agredido. “Quando a criança apanha, ela cresce com a visão de que a violência é uma coisa legítima e ela acha formas de reproduzir isso primeiramente na escola”, afirma Alves.
Lei da Palmada
O Projeto de Lei 7.672 de 2010, conhecido como a Lei da Palmada, está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara Federal e ainda não foi aprovado, mas a legislação é uma estratégia defendida pela rede “Não Bata, Eduque” para evitar a continuidade do círculo vicioso demonstrado no estudo da USP.
“Temos no Brasil uma tradição de usar o castigo físico como padrão de educação. Uma estratégia para mudar isso seria termos uma lei apropriada que garanta o direito de as crianças serem educadas sem sofrer castigo ou tratamento humilhante. Só o debate da lei faz com que as pessoas parem para pensar”, defende o secretário-executivo do Instituto Noos, Carlos Eduardo Zuma.
Joyce Pescarolo, psicóloga do Instituto de Educação para a Não Violência e professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), critica as agressões graves cometidas contra filhos, mas não tem uma posição definida com relação às palmadas. “A palmada depende do contexto, até porque não existe uma educação que não seja violenta. Tirar a televisão do seu filho como forma de repreendê-lo por algum ato, por exemplo, é uma atitude violenta para a criança”, completa.
Surras podem deixar inúmeras sequelas
Dependendo do local do corpo atingido e da força usada pelo agressor, a surra pode deixar sequelas graves e comprometer o desenvolvimento da criança e do adolescente. “Pode ocorrer a impotência funcional do órgão, cicatrizes, efeitos neurológicos, deficiência auditiva e fraturas”, explica a pediatra do Hospital Pequeno Príncipe Maria Cristina Marcelo da Silveira. O hospital é referência desde 2006 no atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência.
Nos últimos dois anos, houve aumento de 13,3% nos casos de agressões atendidos no Pequeno Príncipe. Em 2010, 330 crianças e adolescentes vítimas de violência passaram pelo hospital. Em 2011, o número passou para 374, ou seja, pouco mais de um caso por dia. Conforme Cristina, 30% dos casos são de vítimas de agressão física e 70%, de abuso sexual. “Em geral, são casos de maus-tratos que mostram a negligência dos pais ou responsáveis”, diz.
Em casos extremos, a situação pode resultar em morte. No último dia 9, em Palmeira (Campos Gerais), uma mãe matou a facadas os filhos de 10 e 7 anos. O Conselho Tutelar do município já havia registrado, em 2007, uma denúncia de maus-tratos contra ela, mas a mãe permanecia com a guarda das crianças.
Os casos atendidos no Pequeno Príncipe são encaminhados à Polícia Civil e ao Conselho Tutelar.
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